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O que Nietzsche diria sobre a inteligência artificial?

Friedrich Nietzsche, o filósofo do martelo, é conhecido por suas críticas contundentes à moral tradicional, à religião e à sociedade moderna. Embora tenha vivido no século XIX e jamais tenha testemunhado o surgimento da tecnologia digital, muito menos da inteligência artificial (IA), suas ideias continuam ecoando nos debates contemporâneos. Mas afinal, o que Nietzsche diria sobre a inteligência artificial? Ele a veria como uma ameaça à autonomia humana ou como uma ferramenta potencial para a superação do homem?

O homem como ponte: IA e o Übermensch

Um dos conceitos mais icônicos de Nietzsche é o do Übermensch, o “além-do-homem” ou “super-homem”. Para ele, o homem é algo que deve ser superado. “O homem é uma corda estendida entre o animal e o além-do-homem — uma corda sobre um abismo”, escreveu em Assim Falou Zaratustra. Neste contexto, a inteligência artificial poderia ser vista como uma das forças que pressionam o homem a ir além de si mesmo.

Nietzsche valorizava a vontade de potência — a capacidade de criar, afirmar e transformar valores. A IA, com seu poder de processar dados, tomar decisões e até criar conteúdos, representa uma extensão da mente humana. No entanto, essa extensão não é neutra. Ela nos obriga a refletir: estamos usando a IA para expandir nossa potência ou estamos nos tornando dependentes dela, cedendo nossa autonomia?

Se o Übermensch é aquele que cria seus próprios valores e vive com coragem diante do caos da existência, Nietzsche talvez visse na IA uma oportunidade — mas também um perigo. O perigo de que o homem, em vez de se superar, se torne um ser passivo, controlado por algoritmos, incapaz de afirmar sua vontade própria.

Crítica à racionalidade instrumental

Nietzsche foi um crítico ferrenho da supervalorização da razão, especialmente da razão instrumental — aquela que busca eficiência, previsibilidade e controle. Ele via isso como uma das raízes do niilismo moderno: uma vida sem sentido, onde tudo é calculado, mas nada é vivido com intensidade.

Ora, a IA é o ápice da racionalidade instrumental. É capaz de calcular probabilidades, prever comportamentos, recomendar ações. Mas Nietzsche nos perguntaria: e a paixão? e o caos? e a arte de viver perigosamente? Se nos entregamos completamente à IA, podemos cair em um novo tipo de niilismo, onde tudo é otimizado, mas nada tem valor por si mesmo.

Ele provavelmente zombaria das promessas de uma vida perfeita mediada por algoritmos: “Vocês querem conforto, segurança, previsibilidade… Eu vos digo: aprendam a dançar sobre o abismo!”. Nietzsche nos lembraria que o que faz a vida valer a pena não é a ausência de erro, mas a intensidade da experiência.

A moral de rebanho e os algoritmos

Nietzsche também criticava o que chamava de moral de rebanho: uma moralidade imposta, que suprime a individualidade em nome da conformidade. Em um mundo dominado por IAs que recomendam o que assistir, o que comprar, o que pensar — com base em padrões de comportamento —, corremos o risco de cair em uma nova forma de uniformidade.

Plataformas como YouTube, Netflix e redes sociais usam IA para alimentar bolhas de conteúdo e confirmar nossas crenças. Nietzsche provavelmente veria isso como um aprofundamento da mediocridade coletiva. O rebanho digital é alimentado por algoritmos que evitam o desconforto, quando o próprio Nietzsche dizia que o crescimento vem da dor, da contradição, da luta.

Em vez de fortalecer indivíduos criadores de novos valores, a IA corre o risco de moldar sujeitos conformistas, dependentes de validação digital, com medo de serem “cancelados” ou excluídos do grupo.

O eterno retorno dos dados

Outro conceito nietzschiano central é o do eterno retorno: a ideia de que tudo se repete eternamente, e que devemos viver como se cada ato nosso estivesse destinado a se repetir infinitamente. É um chamado à responsabilidade existencial.

No universo da IA, onde dados do passado são usados para prever o futuro, há um tipo de “eterno retorno dos dados”. Tudo que fazemos é registrado, analisado, replicado. Será que ainda somos livres para criar o novo? Ou estamos condenados a repetir os mesmos padrões, eternamente reproduzidos pelos algoritmos?

Nietzsche poderia ver nisso uma ameaça à criação autêntica. Afinal, se vivemos segundo previsões baseadas no passado, onde está a transgressão, o inesperado, o salto criativo? Para ele, viver é criar o novo a partir do caos — não repetir padrões velhos com maquiagem nova.

IA como martelo: destruição e reinvenção

Apesar de todas as críticas que Nietzsche poderia fazer à inteligência artificial, ele não era um reacionário. Seu pensamento não é contra o progresso, mas contra qualquer forma de domesticação da vida. Portanto, ele também poderia ver na IA uma ferramenta nietzschiana por excelência: um martelo que destrói ídolos, para que novos valores possam emergir.

Se usada com consciência, a IA pode nos libertar de tarefas repetitivas, ampliar nosso conhecimento, desafiar nossas ideias fixas. Pode ser o caos que nos força a nos reinventar. Nesse sentido, Nietzsche não veria a IA como algo bom ou mau em si — mas perguntaria:

Dançando com algoritmos

Nietzsche não conheceria os termos “machine learning” ou “deep learning”. Mas sua filosofia nos convida a pensar além da superfície da tecnologia. O que está em jogo com a inteligência artificial não é apenas eficiência ou produtividade, mas a própria forma como vivemos, criamos, sentimos e nos tornamos humanos.

Ele provavelmente nos desafiaria a não sermos “pequenos homens da tela”, mas criadores de novos caminhos — dançando com os algoritmos, em vez de sermos guiados por eles. E, acima de tudo, Nietzsche nos lembraria que, mesmo em um mundo dominado por máquinas inteligentes, a tarefa de viver com autenticidade e coragem continua sendo nossa.

Autor

Wilmar Junior

Filósofo, Teólogo e Pesquisador

Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e atualmente cursando Bacharelado em Psicologia, atuo como pesquisador independente em diversos temas e áreas afins. No blog Gallonews, compartilho análises e conteúdos estratégicos que unem formação acadêmica sólida e pensamento crítico na sociedade.

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