GALLO NEWS

O Sentido da Vida: Entre o Ser e o Nada

Por que vivemos? Qual é o propósito da existência? Existe mesmo um sentido para a vida humana ou somos nós que o inventamos? Essas perguntas ecoam há milênios nos salões da filosofia, nos textos sagrados das religiões, nos consultórios de psicologia e nos silêncios inquietos de quem enfrenta noites insones. Para alguns, a vida é dom; para outros, um acaso cósmico. Para Jean-Paul Sartre, um dos mais notórios filósofos existencialistas do século XX, ela é liberdade — mas também peso, angústia, responsabilidade.

Neste artigo, propomos refletir sobre a busca pelo sentido da vida, especialmente sob a luz da filosofia existencialista, com ênfase em Sartre e sua obra monumental O Ser e o Nada. A intenção não é oferecer respostas definitivas, mas fomentar uma meditação profunda e honesta sobre o que significa existir em um mundo aparentemente indiferente ao nosso desejo de propósito.

A busca pelo sentido

A vida humana se diferencia pela capacidade de refletir sobre si mesma. Um animal pode viver, sobreviver, reproduzir-se e até demonstrar afeto, mas não se pergunta “por que estou aqui?”. O ser humano, por outro lado, é marcado por essa inquietação constante. Mesmo quando tenta ignorá-la, ela ressurge nos momentos de dor, perda, tédio ou mudança. Quando tudo vai bem, o sentido da vida parece dado. Mas quando a crise chega — como a morte de um ente querido, uma perda de emprego ou uma doença — a pergunta retorna: para que tudo isso?

O problema central não é apenas a ausência de respostas, mas o fato de que a própria pergunta pressupõe que a vida deveria ter um sentido. A angústia, nesse contexto, nasce justamente da possibilidade de que talvez não haja nenhum. Ou, pior ainda: que o sentido não seja dado, mas construído — e que cabe a nós, sozinhos, encontrar ou criar esse significado.

É nesse ponto que o pensamento existencialista se torna relevante.

Sartre e a condição humana

Jean-Paul Sartre (1905-1980) é considerado um dos principais nomes do existencialismo. Em sua obra O Ser e o Nada, ele propõe uma análise fenomenológica da consciência humana e de sua relação com o mundo. Ali, Sartre não parte de uma essência humana ou de uma natureza pré-estabelecida. Ao contrário: ele afirma que “a existência precede a essência”. Isso significa que o ser humano existe primeiro, e só depois define quem ele é. Não há um plano divino, uma natureza intrínseca ou um destino predeterminado. O ser humano é liberdade radical.

Essa liberdade, no entanto, não é um presente leve. Ela carrega consigo a responsabilidade total por nossas escolhas. Somos condenados a ser livres, diz Sartre. Condenados, porque não escolhemos estar aqui, mas, uma vez lançados no mundo, não podemos fugir da liberdade de decidir quem seremos.

O homem é, portanto, um projeto. Ele se constrói a cada ato, a cada decisão, a cada recusa. Não há uma essência a descobrir, mas uma existência a inventar. E é justamente por isso que a busca por sentido não tem um ponto de chegada externo, mas nasce da própria ação humana.

O Ser, o Nada e a consciência

Sartre distingue entre dois modos fundamentais de ser: o em-si (en-soi) e o para-si (pour-soi). O “ser em-si” é o modo de existência das coisas: são o que são, completas, fechadas em si mesmas. Uma pedra, por exemplo, é pedra e nada mais. Não escolhe ser, não se questiona, não se nega.

O “ser para-si” é o modo de ser da consciência humana. É incompleto, aberto, capaz de se projetar no futuro, de negar o presente, de desejar algo diferente. A consciência é, por definição, uma negação. Ela é o nada, o vazio que permite ao ser humano não apenas ser o que é, mas desejar ser o que ainda não é. Ela cria a possibilidade do projeto, da mudança, da transcendência.

Esse “nada” em nós é o que nos permite desejar, sonhar, transformar, mas também sofrer, frustrar-nos e viver angústia. A liberdade está enraizada nesse vazio. Sem garantias, sem verdades absolutas, a consciência humana se vê diante da tarefa absurda de dar sentido à própria existência — sabendo que nenhuma resposta é definitiva.

A má-fé e a fuga de si

Diante dessa liberdade, muitos tentam escapar. Sartre descreve esse movimento como má-fé (mauvaise foi), uma espécie de autoengano existencial. A má-fé acontece quando o indivíduo tenta se convencer de que não é livre, que não é responsável por sua vida, que é apenas um papel social, uma função, uma vítima das circunstâncias.

O garçom que se comporta como se fosse apenas um garçom, o estudante que diz “sou assim mesmo”, o funcionário que afirma “não tenho escolha” — todos estão, em alguma medida, em má-fé. Tentam reduzir-se ao “ser em-si”, negando a angústia de ser “para-si”.

A má-fé é, portanto, uma forma de fuga da liberdade — e, consequentemente, da autenticidade. Ela nos afasta da possibilidade de viver uma vida com sentido, já que esse sentido só pode emergir de uma relação sincera com nossa condição existencial.

O existencialismo não é pessimismo

Muitos acusaram o existencialismo de ser um pensamento pessimista, por destacar o absurdo, a angústia e a ausência de sentido prévio. Mas, para Sartre, isso é uma má interpretação. A ausência de sentido dado não é uma tragédia — é uma oportunidade. Se não há Deus, natureza ou destino que definam o sentido da vida, então cabe a nós dar sentido à nossa existência.

Essa é uma visão radicalmente humanista. A vida pode parecer absurda, sim — mas isso significa apenas que ela está aberta. O ser humano é projeto, é criação constante. Como dizia Camus, outro grande existencialista, “o absurdo é o ponto de partida, não o fim”.

O sentido como construção

Dizer que o sentido da vida deve ser construído não é o mesmo que afirmar que ele é qualquer coisa. Não se trata de um relativismo irresponsável. Ao contrário: exige-se coragem para encarar a liberdade e responsabilidade para lidar com suas consequências.

O sentido da vida pode ser encontrado no amor, no trabalho, na arte, na solidariedade, na ciência, na espiritualidade — desde que essas escolhas sejam feitas de modo autêntico, e não como imposições externas ou máscaras sociais. Uma vida com sentido, segundo Sartre, é aquela vivida em máxima consciência da liberdade que a constitui.

Viktor Frankl, psiquiatra austríaco e sobrevivente de campos de concentração nazistas, também refletiu sobre o sentido da vida, mas sob uma perspectiva mais terapêutica. Em seu livro Em busca de sentido, ele defende que o ser humano precisa de um sentido para viver — mesmo diante do sofrimento mais absurdo. Embora não parta do mesmo ponto filosófico de Sartre, Frankl chega a uma conclusão complementar: o sentido não é dado, mas pode ser descoberto e assumido.

Conclusão: viver é escolher

A busca pelo sentido da vida é, em última análise, a própria vida em ação. Não é algo que se encontra pronto, como uma moeda caída na calçada. É algo que se constrói, que se arrisca, que se vive. Cada escolha que fazemos, cada “sim” e cada “não”, contribui para o desenho do nosso projeto de ser.

Sartre nos convida a uma vida consciente, corajosa e autêntica. Uma vida em que o sujeito não se esconde atrás de rótulos ou desculpas, mas assume a responsabilidade por existir e por criar, a cada dia, o sentido do seu próprio caminho. A alternativa é a má-fé — uma existência inautêntica, alienada, confortável talvez, mas vazia.

No fim, a pergunta “qual é o sentido da vida?” talvez não tenha uma única resposta. Mas, como ensina o existencialismo, a ausência de uma resposta universal não deve ser motivo de desespero, e sim de liberdade. Se não há um manual de instruções para viver, então a vida é uma tela em branco — e nós, pintores. Ou escultores. Ou compositores. A metáfora pouco importa.

Importa, sim, que viver é criar. E essa é, talvez, a mais bela — e desafiadora — de todas as possibilidades.

Autor

Wilmar Junior

Filósofo, Teólogo e Pesquisador

Licenciado em Filosofia, Bacharel em Teologia e atualmente cursando Bacharelado em Psicologia, atuo como pesquisador independente em diversos temas e áreas afins. No blog Gallonews, compartilho análises e conteúdos estratégicos que unem formação acadêmica sólida e pensamento crítico na sociedade.

Publicações recentes

Edit Template

Deixe seu comentário aqui

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Deixe seu comentário aqui

O seu endereço de e-mail não será publicado. Campos obrigatórios são marcados com *

Sobre

Site Gallo News é um portal de conteúdo inteligente que traz notícias, curiosidades e reflexões sobre temas variados. Com uma abordagem crítica e acessível, buscamos informar e provocar o pensamento. .

Postagens recentes

Redes sociais

© 2025 Gallo News. Todos os Direitos Reservados | domusgallo